[o eco]
Em quase cinco décadas de dedicação à natureza, Maria Tereza Jorge Pádua é parte da história do movimento ambiental no Brasil. Ela pertence a uma geração que pouco falava do assunto, mas liderou a criação de 9 milhões de hectares de áreas protegidas no país. Hoje, próxima de completar 72 anos de idade, Maria Tereza lembra com carinho de sua jornada iniciada aos 23, quando formou-se engenheira agrônoma pela Universidade Federal de Lavras. “Éramos chamados de loucos e poetas”, diz nesta entrevista exclusiva ao Blog do Observatório de UCs. Por 18 anos, trabalhou no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) – órgão que precedeu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que, por sua vez, foi desmembrado em 2007 para a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão que se tornou o responsável pela administração das Unidades de Conservação federais. Em setembro, Maria Tereza lança um livro autobiográfico no VIII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), em Curitiba. Prestes a ir para o prelo, o livro rememora a carreira e a política ambiental do Brasil até o início da década de 80. Ela também abrirá o CBUC com um discurso de balanço dos 15 anos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). “Em quase 50 anos como conservacionista, vi a mata ser destruída, o Cerrado acabar, a Caatinga quase virar deserto, vi destruírem a Amazônia e a Mata Atlântica”, disse.
Blog Observatório UCs: Quando o seu interesse despertou para a questão ambiental?
Maria Tereza: Tive a felicidade de me deparar com o tema da proteção ambiental pelos livros que meu pai me dava de presente. Ele gostava de mostrar a natureza e dormir ao relento. A gente tinha um sítio com um rio límpido e Mata Atlântica. Sempre tive a convicção absoluta que sem a biodiversidade o homem não poderia se manter na Terra. Formei-me em engenharia agrônoma em 1966 e fiz pós-graduação em manejo de áreas protegidas.
Blog: Qual foi o papel do IBDF, em plena ditadura militar no Brasil, quando se defendiam as grandes obras de infraestrutura?
MT: O instituto foi criado em 1967 e eu entrei na primeira turma de engenheiros agrônomos, em 68. Ocupei durante 18 anos a posição de diretora de parques nacionais. Fui a única a escolher a diretoria de pesquisa e conservação da natureza. Éramos considerados loucos, poetas e esquerdistas. Podíamos contar nos dedos quem trabalhava com conservação. Aquela era uma época de desenvolvimento a qualquer custo. Também me perguntava por que nos deixavam fazer tudo aquilo. Todo mundo sabia que éramos de esquerda. A explicação mais lógica era de que os militares respeitavam a ciência e eram preocupados em proteger o território. Eles viam isso como segurança nacional.
Blog: A senhora foi responsável por criar grandes reservas no Brasil. Como foi esse processo?
MT: O primeiro plano do sistema de UCs no Brasil foi de 1979. Todo mundo pensa que o SNUC começou em 2000, mas o primeiro plano lançado no IBDF, em 1979, já continha o conceito de UCs. A grande lacuna no Brasil estava na Amazônia. Era um vácuo. Então, escolhemos os refúgios do pleistoceno (período caracterizado pela presença de mamíferos e de pássaros gigantes) para preservar. Ao todo, criei 9 milhões de hectares de áreas protegidas em todo o meu tempo no IBDF. Somando o que meu marido (Marc Jean Dourojeanni, consultor internacional em florestas tropicais e manejo de áreas protegidas) fez no Peru e eu no Brasil, atingimos o recorde mundial de criação de UCs.
Blog: Como foi a criação da primeira reserva marinha, no Atol das Rocas?
MT: Havia um almirante chamado Ibsen Gusmão, um dos maiores conservacionistas que o Brasil teve. Éramos mais que amigos, éramos irmãos de alma. Na época do regime militar, ele ajudou a fazer as primeiras unidades marinhas no Brasil. Já havia vários estudos em Atol das Rocas e foi Ibsen quem fez o favor de delimitar para nós, analfabetos em mar. A Marinha se assustou quando a gente começou a fazer reservas marinhas. E ele teve um papel preponderante, técnico e científico.
Blog: Houve momento em sua vida em que pensou em abandonar a causa ou a carreira conservacionista?
MT: Quando o presidente João Figueiredo autorizou a estrada cortando o Parque Nacional do Araguaia, na Ilha do Bananal (a maior ilha fluvial do mundo no Tocantins), aí desisti, disse chega. Saí do IBDF porque não queria de jeito algum perder o parque do Araguaia. Convenceram o presidente a permitir a construção de uma estrada cortando a ilha ao meio. Resolvi sair pelo fato de terem autorizado por cima de nosso parecer, que demonstrava ser um desastre ecológico brutal numa zona ecotonal [área de transição de dois biomas] de Amazônia e Cerrado. Todo mundo queria fazer tanta coisa nos parques nacionais, estradas, hidrelétricas, e nós resistíamos. Fiquei cansada. Mas depois voltei como secretária geral do IBDF, em 1985, e como presidente do IBAMA, em 1992.
Blog: O SNUC é uma legislação eficaz para resguardar nossas áreas protegidas?
MT: Queríamos uma lei desde a década de 60, quando o IBDF foi criado. O primeiro plano do sistema de UCs data de 1979, e o segundo, de 1982. O SNUC foi muito debatido no Congresso Nacional, num jogo político brutal. Tenho críticas ao SNUC, são categorias demais, umas se confundem com outras. Eu melhoraria muitas coisas, mas elogio também. Foi um salto gigantesco para o país.
Blog: Atualmente existem ações no Congresso Nacional que pretendem rever o SNUC. O que pensa sobre este risco?
MT: Achava que podíamos melhorar a lei. Em vez disso, estão acabando com as UCs no Brasil. Cortaram 5 milhões de hectares protegidos, estão prestes a permitir mineração, o que é contra a lei e contra a Constituição. Não querem mais criar parques nacionais. É um retrocesso. Já perdemos com o novo Código Florestal. Pela composição do Congresso e do Executivo, ninguém quer lutar mais pelas UCs no Brasil.
Blog: Qual é o saldo da sua carreira, toda dedicada a participar das decisões ou escrever sobre a agenda ambiental do país?
MT: É árduo. Em quase 50 anos de vida como conservacionista, vi a mata ser destruída, o Cerrado acabar, a Caatinga quase virar deserto, vi destruírem a Amazônia e a Mata Atlântica. Ao mesmo tempo, vejo o início de projetos de educação e conscientização. A população percebe mais a necessidade de proteger a natureza. Porém, o setor produtivo, como agricultura e mineração, percebeu que as UCs poderiam ser o tesouro desses grupos de interesse e não da sociedade e do mundo.
http://www.oeco.org.br/reportagens/29161-maria-tereza-padua-estao-acabando-com-as-unidades-de-conservacao